Carnaval também é política


Por ter participado do carnaval de rua e assistido ao contraste entre a ocupação autêntica e lúdica do espaço público e a toda a repressão e privatização dos espaço que Belo Horizonte assistiu nos últimos anos, republico abaixo a Nota de Repúdio dos Blocos de Rua do Carnaval de BH ao candidato Marcio Lacerda, originalmente publicada aqui e aqui. Afinal, tentar se propriar de iniciativa coletiva para uso eleitoral é coisa muito feia!

Nota de Repúdio dos Blocos de Rua do Carnaval de BH
ao candidato Marcio Lacerda

à falsa afirmação do prefeito Marcio Lacerda – tanto no debate das eleições municipais organizado pela TV Band quanto em vídeos veiculados na internet –, ao se referir ao carnaval espontâneo de rua de Belo Horizonte como um ato de sua administração. Sobre isso, respondemos:

A festa marca de forma contundente as intensidades da vida individual e coletiva e está intimamente ligada à sociabilidade brasileira, país cuja cultura é marcadamente festiva. O modelo de cidade do Brasil, gestado nas Minas Gerais, presencia em sua criação a festa, momento de encontro, de troca, de celebração e de vivência máxima do tecido urbano. Sua explosão coloca em contato as pessoas, reúne afetos e sensibilidades, convida a população a experimentar e a se apropriar do espaço urbano como espaço pleno de vida, recuperando a consciência de sua “propriedade coletiva”. E não existe no Brasil maior experiência festiva do que o carnaval. Negar o carnaval é, portanto, negar o próprio sentido de ser brasileiro. É negar a possibilidade de nos reinventarmos em um período transitório e de assumirmos, uma vez mais, de forma espontânea e não normatizada, a espacialidade que nos pertence.

Belo Horizonte passou e vem passando por um movimento claro de negação à festa. Movimento ancorado em um discurso moral, mas que tem seu braço forte no Estado que impõe para cidade uma ordem que não é própria a ela. Prova disso é a experiência do carnaval que foi sendo posta em último plano, com investimentos mínimos e atenção nenhuma, incluindo a expulsão dos desfiles das tradicionais Escolas de Samba para fora da cidade (o retorno ao Centro só foi possível após intenso conflito). Essa mesma lógica autoritária e insensível espalhou-se para toda a cidade com uma série de proibições e restrições. São alguns exemplos dessa realidade: proibição de eventos de qualquer natureza na Praça da Estação que cedeu lugar a um decreto que agora exige seu cercamento e pagamento de aluguel com valor mínimo próximo a 10 mil reais; liberação e uso de praças e outros espaços públicos condicionados à autorização de empresas privadas; burocratização e cobrança de altas taxas para liberação de eventos; impossibilidade de realização de manifestações espontâneas que não passem pelo crivo da prefeitura; perseguição a pipoqueiros, vendedores ambulantes, artesãos nômades e moradores de rua; entre outros tantos atos da prefeitura municipal.

Contestando essa lógica e recuperando outra forma de estar e viver na cidade, um grupo de belo-horizontinos iniciou de maneira despretensiosa, em 2009, um processo de experimentação do carnaval de rua, restrito até então a poucos blocos tradicionais. O gesto inicial se fortaleceu e ganhou nos anos seguintes outros apoiadores e adeptos. De três blocos espontâneos no primeiro ano, esse movimento somou sete blocos em 2010, mais de vinte blocos em 2011 e chegou próximo dos quarenta blocos em 2012. Isso ocorreu por meio da colaboração entre os blocos, que mantiveram a autonomia organizacional e, sobretudo, com total independência de qualquer agência reguladora ou fonte incentivadora. O carnaval de rua de Belo Horizonte foi, é e, esperamos, continuará sendo, um movimento independente e motivado pelo desejo de pertencimento máximo à cidade.

Diferente do que foi veiculado, ao vivo na televisão durante o debate dos candidatos à prefeitura da capital mineira, esse movimento não é fruto de uma ação política do prefeito Márcio Lacerda, tampouco teve seu apoio e incentivo. Pelo contrário, é uma resposta firme contra sua forma de administrar a BH.  Uma administração que pensa a cidade para poucos, restringe seus usos, estabelece uma série de sanções normativas, nega a festa, o carnaval e a cultura viva. Ou seja, a afirmação do candidato-prefeito não é somente mentirosa como oposta às ações de sua administração que ora usou a burocracia contra o carnaval de rua, dificultando sua realização, ora empreendeu ações policiais violentas contra foliões. Uma série de documentos, fotos e filmagens comprovam essa afirmação. Não esqueceremos:

– A desastrosa e violenta ação dos fiscais da prefeitura e da Polícia Militar de Minas Gerais que, no sábado de carnaval do ano de 2011, nas imediações da Praça Floriano Peixoto, ameaçou integrantes dos blocos de multa e prisão, intimidando por meio de um contingente policial ostensivo pessoas fantasiadas, inclusive crianças.

– O ofício que a Regional Leste enviou neste ano para todos os comerciantes de sua região intimidando-os a não receberem em seus estabelecimentos blocos ou outras manifestações espontâneas que não passassem pelo crivo da prefeitura, com risco de altíssimas multas.

– As bombas de efeito moral que a tropa de choque da PM, chamada pela PBH, lançou contra foliões, na porta da prefeitura, enquanto brincavam e celebravam o carnaval de 2012, de maneira despretensiosa, pelas ruas da cidade.

– Os esforços desmedidos que vários blocos tiveram que empreender para responderem aos procedimentos burocráticos de regulamentação e excesso de normas, sempre diante falta de diálogo e organização do poder público.

Por tudo isso, contra a mentira pronunciada pelo prefeito de Belo Horizonte essa é a verdade e esses são os fatos que trazemos para toda a população. Nós, dos blocos abaixo assinados, manifestamos ainda a nossa mais profunda indignação com a forma torpe que um prefeito e candidato à reeleição, se valendo de privilégios e da exposição pública, disseminou inverdades e enganou os eleitores da capital. Prezamos pela transparência e acreditamos sobremaneira que um candidato jamais poderia se valer de sua posição para, se aparelhando de ações que não suas, se beneficiar em um processo tão decisivo. Deixamos público, pois, nosso repúdio ao prefeito e candidato Marcio Lacerda!

Belo Horizonte, 01 de outubro de 2012

Assinam os Blocos:
‘Podia ser Pior’ – ‘Mamá na Vaca’ – ‘Bloco do Angu’ – ‘Bloco da Tetê, a Santa’ – ‘Bloco da Cidade’ – ‘Bloco Chama o Síndico’ – ‘Bloco do Moreré’ – ‘Escola Grêmio Recreativo Unidos da Guignard’ – ‘Bloco Cães de Alfama’ – ‘Cafetina de Qué-Qué’ – ‘Então, Brilha!’ – ‘Bloco da Praia da Estação ’ – ‘Bloco do Approach’ –  ‘ Bloco Cacete de Agulha’ –  ‘Bloco das MISSes’ – ‘Bloco Samba Queixinho’ – ‘Tico Tico Serra Copo’ –  ‘Alcova Libertina’ – ‘Bloco do Grito’ – ‘Bloco Coletivo do Delírio’- ‘Filhos de Chacha’ – ‘Unidos do Barro Preto’ – ‘Bloco do Peixoto’ – ‘Bloco do Manjericão’ – ‘ViUvas do Carnaval’  – ‘Vira o Santo’

Links sobre o carnaval de rua em Belo Horizonte nos últimos anos:
http://blocodaserra.blogspot.com.br/2009/05/extra-tico-tico-no-jornal-hoje-em-dia.html
http://www.overmundo.com.br/overblog/sobre-a-outra-nova-cidade
http://www.overmundo.com.br/overblog/chuta-a-familia-mineira-1
http://fora_wp.falasocial.com/?p=3856
http://www1.folha.uol.com.br/poder/1043513-prefeito-marcio-lacerda-ganha-marchinha-polemica-de-carnaval.shtml
http://www.youtube.com/watch?v=eoLx0m2lj4Y&feature=youtu.be

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